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sexta-feira, 16 de setembro de 2016

Dissecando a ditadura

Dossiê Lições de 1964: quatro títulos abordam, cada um sob o seu ponto de vista, diferentes fatos e os desdobramentos do Golpe

1964 em ritmo de aventura


Com fartura de detalhes e texto fluente, numa narrativa projetada para atrair o leitor, 1964 - O golpe que derrubou um presidente, pôs fim ao regime democrático e instituiu a ditadura no Brasil (Civilização Brasileira) traça um quadro ao mesmo tempo amplo e detalhados dos acontecimentos do início dos anos 1960, levando o leitor para o centro dos acontecimentos. Num dos bons trechos do livro, por exemplo, vemos Jânio Quadros, após sua renúncia, isolado no aeroporto de Cumbica, à espera de que a República clame por seu retorno, enquanto Jango bebe champanhe em Cingapura, brindando “ao imprevisível” e o Jornal do Brasil anuncia que os sindicatos pediam a volta de Jânio. A disputa pela liderança dentro do PTB, envolvendo Brizola, Jango e San Tiago Dantas, é outro aspecto bem explorado pelo livro. Jorge Ferreira, biógrafo de Jango, e Angela de Castro Gomes, especialista na trajetória do trabalhismo, são os autores dessa obra de grande fôlego. A maior fonte, explicitam os autores na apresentação, foram os jornais e revistas da época. E uma das grandes preocupaçôes: derrubar a noção de que o golpe não teve apoio de lideranças e de grandes parcelas da população civil.



A ditadura nas páginas dos jornais



Carlos Chagas, mestre do jornalismo, repórter daqueles cujas fontes não são o Google e a Wikipedia, astuto observador das intrigas e movimentos das raposas felpudas de Brasília, lança mão de centenas de recortes de jornais para dissecar os bastidores da ditadura, com suas intensas e constantes lutas intestinas envolvendo generais e lideranças civis. A ditadura militar e os golpes dentro do golpe (Record) acompanha, por exemplo, o então ministro Costa e Silva indo de quartel em quartel em Realengo numa noite de 1965, para exigir dos coronéis-comandantes de cada unidade que respeitassem sua liderança e não “descessem” para ocupar o Maracanã e impedir a apuração dos votos da eleição que daria a vitória a Negrão de Lima no pleito para o governo da Guanabara, em 1965. O imbróglio que se seguiu é destrinchado passo a passo pelo repórter e culmina com a instituição do AI-2, que, entre outras coisas, extinguiu os partidos políticos, determinou que os “atos revolucionários” ficariam excluídos de apreciação judicial e autorizou o presidente a decretar o recesso do Congresso Nacional.



Os tentáculos do regime



A primeira edição da coletânea O Golpe de 1964 e o Regime Militar (Edufscar), organizada por João Roberto Martins Filho, foi ao prelo em 2006 e tornou-se um referencial para o estudo da ditadura. Trazendo um ótimo time de pesquisadores e abrangência temática ímpar, o volume cobria em seus artigos assuntos como cultura, sexualidade e política externa, pouco explorados nas coleções sobre o tema. Entre os destaques estão o artigo O anticomunismo militar, no qual Rodrigo Patto Sá Motta defende a tese de que a principal força aglutinadora da coalizão que possibilitou o golpe foram os temores da implementação, por parte do presidente João Goulart, de um regime autoritário de base esquerdista, e a análise de Julianna Gazzotti sobre o discurso do Jornal da Tarde nos anos posteriores ao golpe, que, segundo ela, defende, endossava a posição do governo em relação ao combate à oposição armada e os comunicados oficiais em resposta às denúncias de tortura,  vistas como casos isolados. O livro ganha reedição agora, na esteira do aniversário dos 50 anos da ruptura democrática.



Dilemas que, 50 anos depois, permanecem



Na apresentação de A ditadura que mudou o Brasil (Zahar), os organizadores lembram que muitos aspectos o legado de 1964 seguem à espera de soluções satisfatórias: “o autoritarismo que continua a impregnar certas relações sociais, a democratização incompleta do Estado e da sociedade, os níveis elevados de violência social e policial, as desigualdades (de renda, de educação, de acesso à Justiça) extremas que ainda caracterizam a paisagem brasileira”. Desse ponto de vista parte a seleção de artigos que compõem a coletânea. No artigo de abertura, Daniel Aarão Reis expõe o vendaval de modernização que varreu o país entre 1964 e 1979, com seus altos custos, movidos pela ideologia do nacional-estatismo, cuja gênese ele localiza em outra ditadura, a do Estado Novo. Miriam Hermeto fala do teatro em tempo fechado e Anderson da Silva Almeida revisita o explosivo movimento dos marinheiros de 1964, desafiando versões consagradas dos fatos e absolvendo quase todos os envolvidos nos “distúrbios”.




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